Do vastíssimo anedotário anti-comunista muito difundido no tempo da União Soviética, respiga-se aquela estória que dava nota da perplexidade de um dirigente do PCUS perante o insucesso de um clube VIP existente na urbe moscovita, destinado ao entretenimento de convidados estrangeiros, não obstante, argumentava o referido responsável, a "enorme qualidade das bailarinas, todas com mais de cinquenta anos de dedicação ao Partido". Os partidos políticos, todos, caiem frequentemente no erro de se imiscuírem nas decisões próprias da gestão dos recursos humanos das organizações públicas, do estado, das regiões autónomas e das autarquias, influindo, pressionando ou impondo soluções aos responsáveis políticos, eleitos ou nomeados, que ocupam cargos dirigentes, e que são filiados nos respectivos partidos. Muitas vezes, fazem-no por meras logísticas clientelares, pagando militâncias e alinhamentos partidários fora da sede própria. É compreensível e aceitável que um autarca ou um ministro ouça a opinião do seu partido a respeito da nomeação de um assessor, adjunto ou chefe de gabinete, cargos eminentemente políticos e temporários. A decisão última, porém, deverá ser sempre do responsável político institucional, que deverá cuidar de providenciar o melhor perfil técnico e político. Se falhar na escolha, a responsabilidade será sua, do eleito, e não de uma entidade partidária difusamente definida. Por maioria de razão os mecanismos de selecção dos dirigentes da administração central, regional ou local, deverão ser formatados por referenciais transparentes, nos quais as vertentes da competência técnica, da capacidade funcional e, também, da lealdade dos candidatos para com a missão ou projecto sejam avaliáveis em condições de isenção, mas onde o forte envolvimento dos responsáveis políticos, e da sua vontade, sejam claramente assumidos. Temos as mais profundas dúvidas acerca dos métodos, pretensamente isentos e imparciais, marcados por metodologias meramente tecnocráticas e que afastariam (teoricamente) do processo decisório quaisquer discricionariedade obscura. Os responsáveis políticos, eleitos ou nomeados, devem ser os responsáveis pela selecção dos dirigentes, e devem ser responsabilizados pelas eventuais más escolhas. Em Setúbal foi muito comentada em certos meios a prestação de um director do departamento do urbanismo, recentemente dispensado, que, no dizer dos críticos, teria trazido significativos males à cidade e aos cidadãos. Importa reflectir sobre o assunto. O planeamento e gestão do território, particularmente na vertente urbanística, são uma das funções mais relevantes de entre o elenco de todas as competências municipais. Sabe-se, também, de experiência feita, que raras vezes é possível ter autarcas com formação, conhecimentos e visão suficientes à adequada gestão e planeamento do espaço municipal, e que, por outro lado, esta é a vertente da administração autárquica que mais controvérsia tem convocado, tanto no que diz respeito ao ritmo da construção e suas repercussões no equilíbrio urbanístico e ambiental dos territórios, como no que tem a ver com a problemática da corrupção. À frente dos serviços municipais responsáveis pelo planeamento e gestão urbanística devia estar um urbanista, como nos vem propondo, entre outros, o Prof. Costa Lobo. Mas, acrescentamos, um urbanista que seja, simultaneamente, um dirigente eficaz e um conhecedor profundo dos labirínticos meandros da administração pública e das sagacidades privadas. É, porém, muito difícil encontrar técnicos disponíveis que preencham estes requisitos, porque, de facto, eles são um recurso escasso no panorama nacional. Não se estranha, assim, que à frente dos serviços municipais de gestão e planeamento urbanístico encontremos os mais diversos tipos de perfis profissionais, desde os engenheiros e arquitectos, aos geógrafos e sociólogos. E, dada a delicadeza das questões jurídicas, judiciais, económicas e políticas correlativas, também não é de estranhar que, em certos casos, lá encontremos juristas, sobretudo quando são da confiança da administração política empossada. (...)
A vinda para Setúbal deste técnico, para desempenhar as funções de director urbanístico, foi um erro de casting perfeitamente evitável. É, contudo, equívoco e injusto atribuir-lhe culpas que não lhe cabem. Desde logo porque a conjuntura depressiva que vem afectando a indústria da construção civil a partir de 2003 é nacional, e fundamenta-se em factos que têm pouco que ver com a prestação deste ou daquele director urbanístico municipal. Pensamos, aliás que se trata de uma nova situação estrutural e perene a que as empresas e os cidadãos se deverão adaptar porque não é possível continuar a construir acima dos noventa mil fogos por ano em Portugal, espremendo insustentavelmente o território! Duvidamos que seja necessário, possível e adequado fazer sequer mais de quarenta mil fogos novos anualmente. Por outro lado, a problemática do planeamento e, fundamentalmente, da gestão urbanística, ultrapassam em muito a vertente do mero nível de competência técnica do dirigente, porque são do foro político municipal, e, em muitos casos, do enquadramento político e legal nacional. (...)
Às bailarinas e aos directores, para mostrarem arte, empolgarem novos públicos, e desempenharem as suas funções, não bastará terem muitos anos de dedicação aos rituais politicamente convenientes; aos dirigentes políticos caberá entender isto. |