sábado, março 31, 2007

FRAUDE E CORRUPÇÃO EM PORTUGAL




















A história recente da sociedade e da justiça portuguesa não pode ser analisada sem este livro publicado em 2005. As questões que diáriamente nos assaltam associadas ao caso "Apito Dourado" , mas não só, ainda esta semana Vale e Azevedo voltou a ser condenado em mais um processo há a denuncia de um caso ( e que caso...) envolvendo o nome de Luís Filipe Vieira e o departamento de urbanismo da câmara de Lisboa.

No prefácio do livro, escrevia em 2005 , Maria José Morgado:

" Compreendemos que não é possivel viver em democracia sem um combate e denuncia intransigentes da grande corrupção e do crime económico financeiro, que constituem hoje das maiores ameaças para um Estado de Direito. Os resultados do combate à corrupção representam o julgamento da qualidade da própria democracia.

Por essa razão, ao longo deste livro não procuramos familiarizar o leitor com a fraude e corrupção ociosamente, mas denunciá-la como forma de a combater. Ou combatê-la através da denúncia. A recente visibilidade de investigações criminais sobre estes crimes deixou a opinião publica consciente dos danos provocados por tais condutas. E mais. deixou no ar expectativas, uma vez que um pequeno grupo de investigadores demonstrou ser possivel combater o fenómeno e fazer justiça em relação a alguns poderosos."

Esta "pedagogia da denúncia" é a pedagogia do inconformismo , contrária ao entorpecimento conformista a que os nossos politicos nos têm habituado e que tem levado ao afastamento dos cidadãos da cidadania activa, dando um amplo espaço quer à abstenção, quer a movimentos extremistas e ideais que se pensava ultrapassados.

É bem possível que esta pedagogia de denúncia inconformista tenha marcado um virar de página no marasmo pantanoso e corrupto nacional (ainda no post de ontem aqui publicado se viu isso, por um lado (o texto denuncia) , e por outro a vontade de manter a todo o custo o status (visivel nos comentários deixados por quem se sente ameaçado por estas mudanças) e nas mentalidades onde os blogues vieram também dar voz e uma possibilidade de uma de cidadania em rede. Mas continuemos com o livro:

(...) "O cenário instalado em Portugal não podia ser mais preocupante.Tendo à sua disposição muitos dos meios para se reproduzir tranquilamente, a criminalidade económico-financeira penetra em sectores vitais do Estado, essenciais para qualquer cidadão.

Ao promover fenómenos de cacíquismo e compadrio na Administração Pública, impede o principio da igualdade. Ao actuar no mercado com métodos ilegais e ocultos, alimenta a concorrência desleal. Ao apresentar ao fisco rendimentos ficticios, ou subtraindo-os à partida, impede qualquer esforço de justiça fiscal, e a justa repartição de riqueza.

Os efeitos em cadeia são imediatos e prolongados, sendo um dos mais graves, porventura, a redução de receitas para o Estado que, assim, investe muito menos em sectores fundamentais para todos, como a saúde, a educação, e a assistência social.

Ou a criação de uma economia paralela, a desregulação e perturbação do mercado, através do branqueamento dos lucros ilícitos e do financiamento oculto de instituições, partidos politicos ou empresas. No fundo, origina um Estado e uma economia influenciados, e até dominados, por grupos subterrâneos."(...)

(...) O Poder financeiro e a fachada empresarial provocam, assiduamente, um entrelaçamento entre os dirigentes destas redes e elementos da esfera política e partidária, muito especialmente ao nivel do financiamento dos partidos e respectivas campanhas eleitorais, que, cada vez mais, precisam de largas quantidades de dinheiro para as gigantescas campanhas de propaganda e marketing essenciais à sua sobrevivência. A criação de um sistema de tráfico de influências é a consequência imediata (...).

A Obra de Maria José Morgado e José Vegar faz também a sua incurssão na realidade local:

(...) " Nos ultimos anos a prática corrupta mais grave acaba por emergir das práticas de violação dos planos urbanisticos, como os planos de desenvolvimento municipal (PDM) e de pormenor, já que são estes que envolvem os recursos financeiros mais elevados.

A troco de benefícios pessoais, especialmente dinheiro, ou complementado por acções úteis do ponto de vista político, como a construção de bairros sociais, o autarca concede a uma construtora licença para construir imóveis, industriais ou para habitação, e urbanizações que não estavam de modo algum, previstos nos referidos planos urbanisticos.

Os PDM's , que são a forma encontrada pelo Estado para um ordenamento controlado do território, transformam-se numa presa fácil de determinados interesses, pela possibilidade de negociação que permitem (...)."

Este livro contém também excertos escritos de forma ficcional, mas que resultam de montagens de condutas de individuos e associações criminosas actuantes em Portugal e que constam na realidade de investigações levadas a cabo pela policia. Um exemplo:

(...) -O Albatroz pensa mais em cobrar do que em contratar favores.Acha que é tempo de o autarca lhe dar «umas indicações» sobre a melhor maneira de conseguir adjudicar o terreno para a construção de um centro comercial, em disputa, num concurso que a edilidade abrirá brevemente.

Tem uma relação «cinco estrelas» como gosta de dizer com o autarca de alguns anos (...) Entre dois goles, o autarca falou-lhe do «enorme problema» que era «arranjar dinheiro para a politica». O Albatroz percebeu logo e não deixou de dizer que gostaria de ajudar.

Dias depois o autarca falou-lhe de uns terrenos de Reserva Ecológica com uma excelente localização para um condomínio de luxo. O Albatroz lanço um isco, perguntou-lhe o que era preciso para ser ele a ganhar a empreitada. Passados uns tempos, o autarca apareceu com um colega seu de outro partido, O Albatroz pagou a «contrapartida», uns milhares de contos, e recebeu a autorização para construir (...).

A história continua, bem como os exemplos pelo que aconselho a leitura na integra daquela obra que se lê de um fôlego... e faça uma leitura neste fim de semana primaveril mas chuvoso!!!

4 comentários:

Anónimo disse...

Ponto RULES!!!

Anónimo disse...

Onde é que eu já vi isto? "A troco de benefícios pessoais, especialmente dinheiro, ou complementado por acções úteis do ponto de vista político, como a construção de bairros sociais, o autarca concede a uma construtora licença para construir imóveis, industriais ou para habitação, e urbanizações que não estavam de modo algum, previstos nos referidos planos urbanisticos.

Os PDM's , que são a forma encontrada pelo Estado para um ordenamento controlado do território, transformam-se numa presa fácil de determinados interesses, pela possibilidade de negociação que permitem (...)."

Anónimo disse...

Porque alguns casos podem ser mais sérios do que parecem:

“Tribunais enfrentam mal
Crimes de "colarinho branco"
Rui Cardoso

O julgamento da corrupção e do crime económico exige meios de prova diferentes dos habituais. Mas os tribunais portugueses nem sempre os aceitam, até por desconhecimento da sofisticação tecnológica desta nova criminalidade.


Baltazar Garzón no Parlamento, no colóquio ‘Combate à Corrupção, Prioridade da Democracia’:

“Enquanto eu mando um oficial fazer uma diligência, um lote de dinheiro suspeito pode dar a volta ao mundo, com o simples toque numa tecla de computador”. Esta imagem, usada pelo juiz espanhol Baltazar Garzón, mostra a que ponto a criminalidade económica se sofisticou. O conhecido magistrado espanhol foi uma das figuras de proa de um colóquio de dois dias realizado esta semana por iniciativa da Assembleia da República e cujo tema foi o combate à corrupção. Garzón alertou para a globalização do crime e para a circunstância de a corrupção poder alimentar ou ser manipulada pelo crime organizado e pelo terrorismo.

Outro conferencista em foco foi Maria José Morgado, directora do Departamento de Investigação e Acção penal de Lisboa, magistrada responsável pela reactivação da investigação do processo Apito Dourado. Para ela, “o crime económico não tem local de consumação, é digital e faz-se em segundos”. Perante isto “a prova torna-se gasosa” e são necessários novos meios para a produzir, o que, por sua vez, pode levantar “problemas sem precedentes a nível dos direitos fundamentais”. Para Morgado, o problema da corrupção de funcionários ou titulares de cargos públicos resume-se ao seguinte: transformação do cargo numa mercadoria, tendo como contrapartida a manipulação das funções do Estado. Ou seja, o que tem se ser provado é se os suspeitos “mercadejaram, ou não, com os seus cargos”.
É algo que consta da letra da lei desde 2001 mas os tribunais continuam a ter uma actuação hesitante a este nível.

Cláudia Santos, docente da Faculdade de Direito de Coimbra, explicou que, actualmente, se pune “o recebimento ou solicitação de vantagem por parte de um agente público”, independentemente de ter em vista “a realização de um acto ilícito” ou de o mesmo se chegar a concretizar, ou não. Mas, segundo referiu a mesma conferencista, persiste uma tendência para os tribunais serem mais exigentes, a nível da prova, nestes crimes que nos furtos, no tráfico de droga ou nas ofensas corporais. “Um carteirista pode ser condenado mesmo que nenhuma testemunha tenha presenciado o acto de meter a mão no bolso da vítima”. Já nestes casos os tribunais tendem a ser “muito mais garantísticos”. Ora, “se não se descortinar outra razão plausível para os factos que se estão a julgar, que não seja o mercadejar com o cargo, os arguidos devem, de facto, ser condenados”.
Cláudia Santos citou casos já julgados neste sentido, como uma sentença de 2002 da Relação de Coimbra que condenou uma médica do serviço público, unicamente por ter recebido vantagens da parte de um laboratório.

Euclides Dâmaso Simões, ex-director adjunto da Polícia Judiciária e director do Departamento de Instrução e Acção Penal de Coimbra, lamentou que os tribunais “se continuem a barricar” atrás do pedido de prova directa, nos chamados crimes de colarinho branco. Para arranjar “doutrina e jurisprudência sobre a prova indiciária é preciso ir a Espanha!”. Tomando como referência a avaliação da situação portuguesa feita pelo Grupo de Estados contra a Corrupção (Conselho da Europa) em Novembro de 2003, Dâmaso Simões alertou para alguma impreparação da magistratura perante esta nova criminalidade: “perturbados pelo que mal entendem mas compreensivelmente preocupados pela tranquilidade das suas consciências, procuradores e juízes abstêm-se quando podiam aprofundar investigações ou acusar, despronunciam quando deviam pronunciar ou absolvem, quando deviam condenar, abrigando-se à sombra do princípio ‘in dubio‘ (em caso de dúvida favoreça-se o réu), ao primeiro assomo de incompreensão”.

Magistrados espanhóis e franceses que intervieram no colóquio destacaram dois aspectos: a bem sucedida experiência de colaboração policial e judicial nos casos envolvendo a ETA e a necessidade de tipificar e investigar devidamente novos tipos de crime económico. Em causa estão os crimes contra o ordenamento do território e o ambiente, frequentes, quer na Costa del Sol, quer no sul de França, por vezes envolvendo mafias do Leste europeu."


Versão integral da reportagem publicada na edição do Expresso de 31 de Março de 2007, Primeiro caderno, página 18

Verdadeira disse...

Por que será que anda tudo tão calado sobre o último caso que envolve directamente o nosso PM?
A fraude e a corrupção em Portugal estão institucionalizadas e ao contrário do que aprendi, existe neste momento uma objectividade dogmática diferente da que caracteriza a ordem jurídica: o poder político.
O poder político projecta-se no efeito de institucionalização, que a ordem jurídica visa produzir, ao arrepio de todos os valores.
As maiorias só servem para sustentar este estado de coisas e isso constata-se através do que se está a passar actualmente na Universidade Independente e que é uma vergonha para o nosso País que em breve irá presidir à União Europeia.