Assinalando o contributo do Professor Paulo Morais na sua presença na Conferência da Moita e a sua brilhante intervenção publicamos hoje a entrevista dada ao DN aquando do lança mento do seu livro.
"O título do seu livro é Mudar o Poder Local. Mas o que o defende é uma mudança mais ampla.
Este regime, esta Primavera Marcelista que vivemos, não tem futuro. E o poder local é uma das componentes do regime que não funcionam, não servem para aquilo que devia servir. A reflexão que faço é antiga, e defendo que o papel dos políticos - os que querem o desenvolvimento do País acima de qualquer outro objectivo - deve ser de tentar destruir este regime.
Os casos de corrupção têm aumentado nas autarquias?
A corrupção não é um exclusivo do poder local. Temos um regime que foi tomado, numa lógica perversa, pelas corporações que já mandavam em Portugal antes do 25 de Abril. Hoje vivemos uma situação dramática para o povo português que é o sistema cartelizado: um grupo restrito de pessoas domina o País.
E como se combate esta usurpação do regime?
Para mudar o sistema são precisos políticos com coluna vertebral. E em Portugal temos políticos que não são mais do que marionetas ao serviço de interesses obscuros. Aliás, os únicos seres que se mantêm de pé sem coluna vertebral são as marionetas. Por outro lado, um sistema muito burocratizado, um sistema em que a justiça não funciona permite que, nas várias facetas da vida política, se desenvolvam mecanismos de corrupção.
Nas câmaras quais são as áreas mais permeáveis à corrupção?
As áreas mais visíveis, que constituem tumores da democracia, são as obras públicas, onde há um tráfico de influências generalizado e que convém atacar pela via da intervenção da justiça, mas também ao nível da gestão de urbanismo. Como sabemos, a maioria dos partidos e da vida partidária é financiada por empreiteiros e imobiliárias.
Depois há as contrapartidas...
Cada financiamento tem sempre um pagamento: a contrapartida que normalmente pedem é o favorecimento na avaliação de determinados projectos imobiliários. A corrupção aparece como corolário lógico do sistema que está montado para privilegiar ou para induzir à corrupção. É também importante que a Inspecção-Geral de Administração do Território e o Ministério Público cumpram a sua função.
A campanha das autárquicas no Porto foi paga pelos empreiteiros?
Não queria estar a concretizar, mas a maioria do financiamento dos partidos e, sobretudo, o financiamento da vida de muitas pessoas que andam à volta dos partidos, depende de empreiteiros e promotores imobiliários. Vi recentemente muitos políticos a vangloriar-se de que empresas portuguesas têm grande capacidade de entrada no mercado angolano. Fico triste: empresas com capacidade de entrar num mercado de corrupção como o de Angola não são seguramente empresas cuja principal componente seja a qualidade!
Quando fala de políticos com avenças dos empreiteiros está a referir-se a pessoas do seu partido...
De quase todos os partidos. Infelizmente em Portugal há um bloco central de interesses. O problema do tráfico de influências atravessa transversalmente todos os partidos, sendo que se exerce com maior relevo nos partidos do poder.
Voltando às autarquias: o Plano Director Municipal (PDM) abre caminho a negócios obscuros?
O PDM em certas autarquias é uma bolsa de terrenos, onde há favorecimento da valorização em função de quem é o proprietário e onde há a promiscuidade entre interesses privados e o interesse público. Como a legislação é complexa, quem for assessorado por bons advogados consegue fazer o que lhe apetece.
Quando foi afastado das listas do à Câmara do Porto disse que "enquanto Rui Rio for presidente e tutelar o urbanismo não haverá vigarices". Mantém a afirmação?
Ao sair tomei a decisão de não me pronunciar durante quatro anos sobre a vida autárquica no Porto. ..
Um dos projectos imobiliários que chumbou foi o da Quinta da China. Projecto agora aprovado por Rui Rio.
Este e outros projectos estão a ser analisados pelas autoridades e, em particular, pela Direcção Central de Investigação e Acção Penal. Não devo pronunciar-me. Abro uma excepção para explicar o motivo por que decidi indeferir o projecto da Quinta da China. A sua aprovação, tal como tinha sido vontade do executivo anterior (do PS), mais não seria que uma cedência de terrenos públicos a um promotor imobiliário para que fizesse uma obra ilegal. Jamais poderia permitir isso.
Um projecto da Mota e Companhia.
Exactamente. Chumbei o projecto sem hesitação: enquanto vereador não podia ceder terrenos a um promotor imobiliário, para que desenvolvesse um projecto ilegal. antigo vice-presidente e vereador do Urbanismo da Câmara do Porto, Paulo Morais, lança amanhã à noite, no Café Majestic, o livro Mudar o Poder Local. Em entrevista ao DN, fala do polémico projecto Quinta da China, que chumbou e agora é aprovado por Rui Rio, e do financiamento de empreiteiros a "muita gente que anda à volta dos partidos". Na obra, apresentada por Maria José Morgado, revela que figuras do PSD o pressionaram a aprovar projectos imobiliários. O Ministério Público tem "informação bastante para intervir", assegura.
2 comentários:
Tive oportunidade há alguns meses de ler o livro(que possuo). Nele fiquei a conhecer algo que supunha acontecer pelo que já observava no dia a dia.
É o relato de uma experiência vivida por dentro, por alguém que não pactuou com esquemas e nos dá a ideia do "polvo" e das "teias" ardilosamente construídas por maquiavélicas aranhas e aranhiços manhosos que infestam o pder local - as autarquias - com o fino propósito de ´democraticamente`, "sugarem o sangue fresco da manada".
"Corrupção prejudica sistemas judiciais em todo o mundo
A corrupção prejudica os sistemas judiciais em todo o mundo e nega aos cidadãos o direito básico a um julgamento justo e imparcial, acusou hoje a Organização Não Governamental (ONG) Transparência Internacional (TI), no «Relatório Mundial sobre Corrupção 2007».
No documento, apresentado hoje em Londres, a ONG sublinha que «um sistema judicial corrupto destrói a capacidade da comunidade internacional para processar o crime transnacional».
O documento analisa diversos casos ocorridos durante o último ano em 32 países, entre os quais 10 latino-americanos.
Os autores do estudo classificam a corrupção judicial em duas categorias: interferência política no processo judicial por parte dos poderes legislativo ou executivo, e suborno.
«Em mais de 25 países, pelo menos uma em cada 10 famílias teve que pagar suborno para ter acesso à justiça», refere o relatório, salientando que o problema é registrado sobretudo em países como o México, Perú, Venezuela, Marrocos, Albânia, Grécia e Taiwan.
«O suborno em pequena escala e a influência política na Justiça deterioram a coesão social», uma vez que «instituir um sistema para ricos e outro para pobres divide as comunidades», lê-se no texto.
«África é uma das regiões onde a percepção da corrupção na Justiça é mais sombria», disse o advogado camaronês Akere Muna, acrescentando que, com excepção da África do Sul, a maioria das pessoas entrevistadas em África pela TI considera que o sistema legal é corrupto e que há boas razões para tal: «em África, uma em cada cinco pessoas que já teve que lidar com a Justiça pagou suborno», disse.
A TI salienta ainda assinala que «a pressão para julgar em favor de interesses políticos continua forte» e que «a deterioração de padrões internacionais se evidencia em países como a Argentina e a Rússia, onde os poderes políticos aumentaram a influência sobre o processo judicial nos anos recentes».
O estudo também adverte que a represália política para os juízes que resistem a serem corrompidos pode ser «rápida e severa», citando como exemplo a Argélia, onde os magistrados «muito independentes» são transferidos para localidades remotas.
Além disso, os juízes «problemáticos» podem ser designados para outras jurisdições ou afastados de casos delicados que são transferidos para outros mais complacentes, de acordo com o relatório. «Esta táctica foi usada pelo ex-presidente peruano Alberto Fujimori», acusa a ONG, que tem sede em Berlim.
Acrescenta que «a interferência de políticos ou autoridades também pode servir de fachada legal para ocultar o desfalque, nepotismo, compadrio e decisões políticas ilegítimas».
Essa interferência é constatada em medidas tão «flagrantes» como a ameaça física e a intimidação, ou em iniciativas mais «subtis» como a manipulação das nomeações e salários, sublinha, explicando que os subornos se destinam a adiar ou acelerar casos, aceitar ou rejeitar recursos, influenciar outros juízes ou, simplesmente, para que os juízes decidam um caso de um determinado modo.
Para fortalecer a independência judicial e combater a corrupção, o relatório aconselha, por exemplo, que as nomeações e destituições de juízes sejam transparentes e independentes do poder executivo ou legislativo e que se baseiem na experiência e no mérito.
O texto, de 370 páginas, salienta que a corrupção «inibe o acesso à justiça e o ressarcimento por violação de direitos humanos», «mina o crescimento económico danificando a confiança da comunidade de investidores e dificulta as iniciativas para reduzir a pobreza».
«O tratamento equitativo perante a lei é um pilar das sociedades democráticas», afirmou a presidente da TI, Huguette Labelle, na apresentação do relatório, acrescentando que «quando os tribunais cedem perante a corrupção por avareza ou conveniência política, a balança da justiça inclina-se e o cidadão comum vê-se prejudicado». "
in: diariodigital
24-05-2007 17:20:07
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