terça-feira, maio 24, 2011

A QUEDA DO TIJOLO



Não é de hoje as críticas aqui feitas a este modelo de suposto desenvolvimento baseado na alteração de uso do solo - infraestruturação - construção - construção - construção ...  em que assentaram os ultimas décadas de poder (fiduciário) autárquico.

Para não ser acusado , mais uma vez de catastrofista e anti-desenvolvimento , passo a citar face ao eminente rebentar da bomba relógio de uma bolha imobiliáriaque insistem em declarar não existir em Portugal, alguns artrigos publicados nos últimos dias na imprensa. Do Editorial do Público de 18 de Maio:

«Nos próximos anos o sector da construção civil e do imobiliário  vai ser sujeito a um profundo ajustamento.
O agravamento da recessão, a queda da confiança dos consumidores e as dificuldades de obterem financiamento a taxas de juro moderadas vão ditar o fim de uma era na qual a construção representou um papel primordial.

A mudança que se anuncia  tem uma feição positiva , porque é certo e sabido que a alocação de recursos vultuosos em obras públicas de importância discutível ou em novas habitações estava muito além do desejável (...)


Uma pressão desproporcionada da oferta de casas sobre a procura tende a desvalorizar o património das famílias que investiram na compra de casa própria; depois, esta desvalorização reflecte-se nas hipotecas, cuja queda de valor pode ter um efeito devastador nos balanços da banca . 

Portugal não tem de efrentar as ameaças de uma bolha imobiliária como a Espanha, mas a pressão combinada de uma queda das vendas e dos preços das casas podem criar um novo vírus para a economia das familias e do país »

3 comentários:

Anónimo disse...

Paulo Bingre, no artigo Bolha Imobiliária:Duas faces da mesma (falsa)moeda, fez uma análise sobre o assunto, e transcrevo parte do citado artigo:

"Contemplando a crise mundial, os governantes portugueses apressaram-se a dizer que se tratava de um problema “exógeno”, que Portugal “não estava exposto às hipotecas subprime” americanas nem tinha sofrido de “especulação imobiliária”. A nossa crise, disseram, tinha causas distintas e só se agravou por força desta crise alheia.
Sucede que, na verdade, Portugal sofreu uma bolha imobiliária mais grave que os Estados Unidos: enquanto a americana começou a crescer em 2001, a portuguesa vinha inchando-se desde 1986. As diferenças quantitativas estão à vista: naquele país existem cerca de 60 casas vazias ou “secundárias” por cada 1000 habitantes; no nosso, esse número ultrapassa as 140; a habitação média estado-unidense custa cerca de 2,5 orçamentos anuais brutos da família, ao passo que a sua equivalente portuguesa custa 9,5 vezes o respectivo orçamento. Acresce ainda o facto de a maioria das hipotecas contraídas em Portugal serem exemplos acabados de subprime: as suas prestações consomem mais de 40% do orçamento mensal da família, cobrem mais de 80% do valor do imóvel, são amortizadas a três ou mais décadas, e estão indexadas a taxas de juro variável. Por fim, o preço absoluto dos fogos residenciais portugueses raia o incongruente: em Lisboa ultrapassa os 2500 €/m2, quando em Berlim ronda os 1500 €/m2. A rematar o panorama imobiliário português encontram-se os assombrosos números de construções erguidas desde 1986: mais de 50% do parque residencial hoje existente tem menos de duas décadas, e presume-se que entre este se encontre mais de um milhão de fogos desabitados.

Portugal vive agora as consequências do estoiro de uma bolha imobiliária velha de duas décadas, que proporcionou a uma minoria de indivíduos encaixar ganhos especulativos às custas de hipotecas financiadas pela banca estrangeira, do endividamento perpétuo de uma geração inteira para pagar casas facturadas muito acima do preço justo, do destroçar da paisagem urbana, do abandono da indústria, e do sacrifício da economia produtiva no altar da construção civil medíocre e do urbanismo caótico."

Anónimo disse...

Do mesmo artigo e do mesmo autor, tomo a liberdade de transcrer mais alguns excertos:
"
O mercado imobiliário e a política de solos
Em épocas de bolha imobiliária como a que vivemos, a expansão da malha urbana cria oportunidades extraordinárias para se conquistar fortunas através da manipulação política e administrativa do mercado de solos. Um terreno agrícola multiplica por dezenas ou centenas o seu valor de mercado quando recebe um alvará de loteamento; obter um alvará — uma manobra que nada tem de empreendedora em si mesma — torna-se um caminho seguro para o enriquecimento.

Os números falam por si. Num mercado imobiliário tutelado por uma política de solos progressiva, um terreno agrícola não apresenta preços superiores ao valor à perpetuidade das rendas agrícolas (1), mesmo que se situe nas cercanias de grandes cidades. Se em Portugal vigorasse uma política assim (como vigorou, diga-se de passagem, até 1965), nenhum dos nossos terrenos rústicos perirurbanos deveria estar cotado a preços superiores a 20.000 € por hectare; isto porque acima destes preços as rendas da actividade agrícola são incapazes de amortizar a compra do solo. Porém, se esse mesmo terreno se situar num local sob procura imobiliária e lhe for concedido alvará de loteamento, o seu preço atingirá valores muito mais elevados, tanto maiores quando mais acentuados os índices urbanísticos concedidos: nos subúrbios de Setúbal, Lisboa, Coimbra ou Porto, um hectare inculto e sem infra-estruturas pode ser facilmente revendido a preços entre os 500.000 € e os 10.000.000 € por hectare, consoante licenciado para a construção de moradias ou de apartamentos.

Contraste-se este nosso regime comercial com o dos Países Baixos; o mercado imobiliário holandês é dos que mais exemplarmente executa a retenção pública de mais-valias urbanísticas. Mesmo que se encontrem contíguos aos perímetros urbanos, os solos agrícolas holandeses são transaccionados a preço estritamente agrícola, posto que qualquer comprador privado sabe de antemão que futuros acréscimos de valor do solo, produzidos por via de loteamentos, reverterão para o erário público. Além de reter as mais-valias urbanísticas, o Estado Holandês oferece também para arrendamento público mais de 30% do parque habitacional do país — fórmula que além de facilitar a mobilidade laboral e assegurar residência a preço justo para toda a população, dificulta sobremaneira o crescimento de bolhas imobiliárias.

A legislação urbanística portuguesa de hoje em dia, em contrapartida, é uma verdadeira obra-prima da corrupção sistemática do aparelho do Estado e das Autarquias. Pode dizer-se que um especulador não teria escrito melhores leis para si mesmo. Desde que foi publicado o Decreto-Lei n.º46/673, fazendo da privatização de loteamentos e mais-valias urbanísticas o estribo da política nacional de solos (2), uma minoria de políticos e funcionários públicos que controlam a emissão de alvarás urbanísticos e a revisão de planos de ordenamento detêm o poder quase soberano de redistribuir a riqueza nacional em favor de quem lhes aprouver, sem necessidade de prestarem quaisquer contas perante os restantes cidadãos. A perspectiva de conquistar essas “fortunas trazidas pelo vento” (3) a que se chama mais-valias urbanísticas (4) graças ao controlo de certos cargos políticos e administrativos atrai para a vida partidária não poucos oportunistas ansiosos por sobraçar pastas e pelouros ligados ao urbanismo. Quem paga este jogo? Quem ganha com ele? "

Ponto Verde disse...

Agradeço o excelçente contributo dado pelos anteriores comentários.