Missão está de partida para conhecer a nova fronteira sul de Portugal
21.08.2012
Teresa Firmino
Estão de partida para uma campanha de quase 50 dias, no navio Almirante Gago Coutinho, da Marinha portuguesa. Destino: uma zona de fractura do fundo do mar, mais de 500 milhas a sudoeste do centro dos Açores. Objectivo: obter mais informação que fundamente a proposta portuguesa de extensão da plataforma continental, que já foi entregue nas Nações Unidas em 2009 mas que ainda pode ser reforçada com novos dados. Nesta terça-feira ao início da tarde, enquanto estão ao largo de Sesimbra nos preparativos finais da campanha, a ministra do Mar, Assunção Cristas, e o secretário de Estado do Mar, Manuel Pinto de Abreu, vão a bordo ver o robô submarino Luso num mergulho de teste.
Na quinta-feira, o Almirante Gago Coutinho e a equipa da Estrutura de Missão para a Extensão da Plataforma Continental (EMEPC) vão zarpar rumo à Dorsal Médio-Atlântica, a cordilheira que atravessa o Atlântico de alto a baixo e onde está a formar-se crosta terrestre nova e, por isso, as placas tectónicas estão lentamente a afastar-se umas das outras. Ora esta cordilheira, que parece uma coluna vertebral no fundo do Atlântico e que não fica muito longe dos Açores, é cortada transversalmente por muitas fracturas - uma delas, a zona de fractura Hayes, é agora o alvo da campanha da EMEPC, que terá 19 cientistas e técnicos no total.
A zona de fractura Hayes tem particular interesse porque, pouco para lá dela - 60 milhas para sul -, fica um dos limites sul da proposta de extensão da plataforma continental. Mas esta fronteira da proposta submetida na ONU, a 11 de Maio de 2009, para alargar a plataforma continental para lá das 200 milhas da Zona Económica Exclusiva (ZEE), é mal conhecida. Por isso, a equipa da EMEPC quer ir lá recolher uma série de amostras - de rochas e sedimentos - e informações que permitam reforçar as pretensões portuguesas de que existe uma continuidade geológica dos Açores até essa zona.
"Os Açores têm uma assinatura geoquímica - todas as ilhas a têm. Vamos ver até onde se estende essa assinatura. Da zona de fractura de Hayes para cima há uma assinatura e para baixo há outra", diz o geólogo Pedro Madureira, que é o chefe desta missão. Só que esta informação é mais ou menos grosseira e é a que se encontra coligida na bibliografia científica internacional e que, no caso desta zona, foi usada na proposta entregue na ONU.
Agora era necessário fazer uma campanha que fosse ao local obter dados mais concretos. Enquanto a proposta portuguesa não estiver a ser apreciada do ponto de vista jurídico e científico por uma subcomissão da Comissão de Limites da Plataforma Continental na ONU - o que não deverá ocorrer antes em 2016 -, o país pode ir apresentando dados técnico-científicos. "Vamos completar os contributos bibliográficos [sobre a zona de fractura Hayes] com amostras nossas", diz Pedro Madureira. "Este é o relançar das campanhas da plataforma continental. Ainda temos muito para fazer. No ano passado, com a mudança de Governo, não fizemos nada", refere Pinto de Abreu. A última campanha destinada a trabalhos da plataforma foi no Verão de 2010. "Estamos a voltar à normalidade e a normalidade é criar as condições para ter tudo pronto junto das Nações Unidas", acrescenta.
41 vezes o território emerso
Talvez até seja possível prolongar essa fronteira sul deste novo mapa de Portugal - quando o processo de alargamento do país estiver concluído e que dará ao país jurisdição sobre o solo e subsolo marinhos para lá das 200 milhas da ZEE -, caso os dados recolhidos na campanha sejam nesse sentido. Seja como for, neste novo mapa do país propõe-se que, aos 92.000 quilómetros quadrados de território emerso, ilhas incluídas, e aos 1600 milhões da ZEE, se juntem ainda 2150 milhões da plataforma continental alargada - perfazendo a jurisdição total mais de 3800 milhões de quilómetros quadrados, o que é mais de 41 vezes a área do território emerso.
É então para ter rochas e sedimentos (para análises) e vídeos da zona de fractura Hayes que será utilizado o Luso, um veículo operado remotamente (ROV, na sigla inglesa) a partir do Almirante Gago Coutinho, ao qual estará ligado por um cordão umbilical por onde serão transmitidos comandos e informação. Comprado em 2008 a uma empresa norueguesa, o Luso tem sido usado nos trabalhos da plataforma continental e agora irá mergulhar a cerca 2000 metros de profundidade na zona da Hayes.
Além disso, o sonar com múltiplos feixes que equipa o navio fará imagens de grande resolução do fundo do mar, permitindo ver como nunca a morfologia da Hayes, outro aspecto importante para fundamentar a proposta da plataforma continental.
Também se sabe que há ali excesso de metano na água, que é um indício de fontes hidrotermais, emanações de água quente do interior da Terra com outros gases e metais à mistura. Ao depositarem-se, formam chaminés, por onde sai a água quente e estão rodeadas de vida. Pode ser que o Luso fareje metano que o leve até novas fontes ao largo dos Açores.